30 abril, 2007

Os olhos na morte: prelúdio e resumo

Estava a tentar inventar um título para o meu post pos-quasi-mortem e lembrei-me do título do livro do Herberto Hélder: A colher na boca. É incrível como uma imagem tão simples (a colher na boca) me pode dizer tanta coisa (após ler alguns poemas do livro e entender o estilo de ideias sugeridas).
Isto dava um longo post mas deixo só a ideia mais simples e importante para mim. Uma colher numa boca é banal e nem pensamos nisso por fazermos isso regularmente e utilitariamente, mas se pensarmos nesse acto artisticamente, ou como um acto artístico (são coisas diferentes) tudo se altera e começamos a ver os detalhes, as emoções, os significados, as tensões, tanta coisa... há o "pôr a colher na boca" e o "pensar no pôr a colher na boca".
A (pobre) analogia refere só a distância abismal entre o falar da morte e o ver a morte.

Está tudo óptimo: tenho duas costuras na cabeça de 2 e 3 pontos; duas na perna esquerda de 2 e 3 pontos; uma no dedo indicador esquerdo de 2 pontos; um entorse no pé esquerdo; arranhões em tudo quanto é canto do corpo; umas dorezinhas de cabeça; e uma alegria imensa cá dentro (daquelas muito simples que quando as vemos nunca percebemos muito bem), que me deixa dizer-vos: ESTOU VIVO!

Ah, para quem não sabe a história é a dos 6 professores que fizeram os "500metros jeep" modalidade "montanha a baixo" estilo "rebolanço".
Recusei a entrevista telefónica da TVI para vos dar o exclusivo, lol.

AmorTe

As portas da morte tornaram-se uma fonte de inspiração para tudo. E nos últimos dias tenho pensado em "coisas que nunca tinha pensado" a taxas muito mais elevadas que o normal. Poderá ser do traumatismo craniano, esperemos que não.
O tema mais interessante é a morte em si, mas a crueza da realidade não inspirou o poeta romântico que há em mim. Por exemplo, o seguinte poema (de categoria: Brutal), neste contexto, não faz qualquer sentido:
"Ele vai só ele não tem ninguém
onde morrer um pouco toda a morte que o espera"
do Ruy Belo

O tema que mais me tem interessado é a relação entre o amor e a morte. A razão para tal é que as pontes entre as razões e a morte são, para mim, rígidas, estruturadas, representam uma solução em si. E as soluções implicam problemas e definições e estruturas específicas. As pontes entre as emoções e a morte são infinitas, subjectivas, ou feitas de cordas... bambas.
Pensar na morte de uma forma desestruturada, afectiva, sentimental, é, em geral, perigoso, entregamo-nos aos sabores de todas as ideias negativas associadas à morte. MAS, ao entregarmo-nos emocionalmente ao assunto da morte com o amor em nós, temos a segurança de evitar as negatividades inerentes ao assunto.

"Era uma vez um reino a que chamavam o 'Reino da morte que chega em 5 minutos'. Nesse reino todos viviam, e tinham crescido, com uma crença (que se renovava exactamente todos os 5 minutos): a minha morte chega em 5 minutos. Isto é, ninguém morria, mas toda a gente achava, e tinha crescido a achar, que ia morrer nos próximos 5 minutos."
Imaginem um livro que comece assim. Se eu o escrevesse, hoje escreveria o capítulo basilar, o capítulo do amor. Que formas tomava a paixão no 'Reino da morte que chega em 5 minutos'?

Bem, não sei bem aonde quero chegar com isto, mas que interessa? E estou cansado para desenvolver (a 'montanha russa da morte' foi há exactamente 48 horas e a cabeça ainda lateja).

24 abril, 2007

Descompressão em clima de insegurança

Lamentavelmente não se vê bem mas:

Eram 5 da manhã, em baixo da luz lê-se Palácio do Governo. Ao centro, eu a fazer o pino. A cereja seria, mesmo ali no canto superior direito, o guarda nocturno que mais parece um snipper escondido entre as arcadas do primeiro andar.

21 abril, 2007

Carta ao leitor

Ex.mo Sr.,
Venho por este meio informar vossa excelência que me poderá por a vista em cima no próximo dia 18 de Junho pelas 10:20 da manhã na cidade do Porto, mais precisamente no hall de chegadas do aeroporto Francisco Sá-Carneiro.
Sem mais de momento e com os melhores cumprimentos,
Luís de Ramos

20 abril, 2007

Chuva

Ao cair da noite cheguei de uma corrida de talvez 10kms ao longo da marginal. Ao chegar, torci a camisola do suor. O calor apertava. Não podia sair. Os mosquitos atacam ao fim da tarde. E não aguentava o ar condicionado.
De repente, começou a chover violentamente, como nunca tinha visto. Fui lá fora e fiquei a olhar a chuva. Lentamente, fui-me aproximando da água e, aos poucos, pareceria natural pôr-me debaixo daquele chuveiro enorme. Esperei... esperei. Para quebrar o impasse social alguém apareceu debaixo da chuva. Eu juntei-me imediatamente.

A chuva, como o calor, dilata os cheiros.

Em tronco nu, de braços e peito abertos ao céu ... dador de chuva. Fechei os braços e esfreguei a cara molhada. Baixei o corpo e deixei a chuva massajar-me as costas. O tempo desacelerou, esqueci o meu redor e comecei a ouvir:

"Embora lave o medo
que há do fim
a chuva apaga o fogo
que há em mim
Ouço a voz de quem
me quer tão bem
E fico a ver se a chuva
a ouvirá também..."

19 abril, 2007

Coisas

Internet
Alguém me disse que o governo de Timor Leste tem no total 13Mbps de largura de banda para acesso ao backbone internacional, isto é, a ligação de todo o país à internet é de 13Mbps. Ora, destes 13Mbps: 6Mbps são reservados ao governo e os outros 7 para uso geral, isto é: toda a gente em Timor. Quanto é que se consegue ter numa casa Portuguesa? 4Mbps?
Como tenho andado a ensinar aos meus alunos de redes, 13Mbps são pouco mais que 13300 kbps.
Na universidade temos uma rede local com cerca de 40 computadores que partilham uma ligação de internet de 256kbps.
No bairro temos uma ligação à internet de 64kbps que é partilhada por todos os professores.
Ora vamos lá falar de Quality of Service (QoS). O QoS é um serviço que ajuda a garantir que todos os utilizadores tenham a largura de banda que subscreveram. Em Timor não deve haver isso. Lembram-se dos modems que se usavam em Portugal há uns anos? Esses modems tinham velocidades de 33kbps e depois de 56kbps, aqui temos um de 64kbps. Como não há QoS (suponho), esta ligação aqui em Timor é mais lenta que esses modems em Portugal. 13Mbps dá para 200 ligações de 64, e 5 eu já as conheço.
gmail.com ao meio-dia: 30 segundos para poder por a password.
google.com? 10 segundos para carregar!
Hoje, pela primeira vez desde que cheguei vi umas páginas que não as de sobrevivência...

Supermercado
Em Dili os supermercados são muito caros. Mais caros que em Portugal. Se comprarmos produtos chineses ou indonésios talvez seja um pouco mais barato, mas a qualidade do produto é muito baixa. Por exemplo, parece ser normal os pacotes de massa virem com bichos lá dentro. O meu preço favorito é o dos pacotes de batatas fritas australianas (semelhantes às Lays) com o maravilhoso preço de 3.20 dólares.

Restaurante
Nos restaurantes em Dili arrisca-se a saúde. Vários, senão muitos, de nós já ficaram doentes. Se em Portugal ainda é tema a higiene dos restaurantes imaginem aqui. Em restaurantes com condições mínimas (seja lá o que isso for) as refeições rondam os 10 dólares (e vão até aos 20). Noutros, com menos condições, as refeições podem sair por 5 dólares. Mas atenção, aqui assumem que o menu de 5 dolares pode vir com brinde: "cha_me_mos-lhe ape_nas" irritação intestinal!

Ruas
As ruas em Dili não têm passeios. Na zona central têm-nos mas destruídos ao ponto de ser mais prático andar pela estrada.
Nas ruas do centro, entre a universidade e o bairro, vêem-se e ouvem-se nos passeios os omnipresentes vendedores de cartões de recarregamento de telemóveis. Consta que ganham uma fracção do valor. E os vendedores de jornais. E os putos vendedores ambulantes de fruta. Ah, e os ?roda-tolo? (triciclos com bancada de produtos) que vendem tabaco, bebidas e de tudo um pouco. Entre o bairro e a universidade (+ou- 400metros) um professor é abordado cerca de 10 vezes. Odeio ignorá-los, mas outra opção é impraticável.
Nas ruas de Dili abundam os não-faz-nada. Gostava de conhecer a história destas personagens que ficam/param/estão numa beira da estrada, num banco da marginal, numa esquina da estrada à sombra de um guarda-sol, à entrada do hotel, ou à porta do banco.

Edifícios
Em Dili, os edifícios com bom aspecto (nível europeu) contam-se pelos dedos das mãos. Depois há umas dezenas que também o seriam se não estivessem velhos, abandonados ou mesmo completamente queimados. No fundo da tabela de construções que poderão ser chamadas edifícios há as casas de tijolo, pequenas e em mau estado, que abundam na cidade. Ah, e há o não-sei-quê tower que tem 4 andares e é provavelmente o mais alto da cidade. Quantos elevadores haverá em Timor Leste? Fora de Dili quase não há edifícios à excepção de uns quantos nas outras "grandes cidades" deste pequeno país.

Refugiados
Vim jantar ao Hotel Timor. Este é o melhor hotel da cidade onde uma noite custa 150 doláres. Aqui vivo sempre um pouco o espírito colonialista. Este é um sítio de brancos, um sítio de portugueses. Aqui há um racismo exposto. Ou sou só eu com visão turva. Não obstante, aqui sinto-me bem, as condições são excelentes e faz-me sair um pouco do exotismo do dia a dia.
Saio do melhor hotel da cidade e, mesmo em frente, vejo o jardim que foi ocupado por refugiados. O jardim é uma massa densa de tendas onde centenas de pessoas sobrevivem. Hotel de luxo com vista para gente com fome. Em mim, vejo a indiferença a crescer.


Aponto para os meus pés e para vocês em Portugal.
É muito difícil imaginar a terra connosco na parte de baixo (de pernas para o ar). Por isso:
boa noite aí em baixo!

16 abril, 2007

Segurança em Timor

Como cheguei a Timor uma semana depois do início das aulas perdi a palestra sobre segurança para Portugueses em Timor.
Com o tempo vai crescendo a consciência do nível de segurança cá do sítio. De forma diferente para pessoas diferentes. Nas mesmas situações, uns sentem-se mais seguros ou são mais bravos que outros.

Em Dili, os professores são aconselhados a nunca andarem sozinhos e a nunca saírem do bairro dos professores à noite. Acho que inventei isto... ou foi um processo de indução... que me dizem os meus olhos?

As tropas australianas (sempre de camuflado, colete à prova de bala, capacete e metralhadora) fazem a vistoria de carros e pessoas à entrada de Dili. Nesse sítio, à vinda da praia, fomos parados, mandados para um canto e revistados. Num dia em que fazia uma corridita de casa até à praia cruzei-me com este posto de controlo e disse (a correr, arfar e sem parar): "hello" ao que o militar respondeu: "wassup mate?".
"Os timorenses não gostam de australianos": é senso comum aqui. Eu pareço um Aussie (australiano), se aos meus colegas falam 80% das vezes em português e 20% em inglês. Para mim (se estiver sozinho), esses valores invertem-se. Estando eu sozinho, nunca nenhum Timorense me dirigiu as primeiras palavras em Português.
Grande parte dos taxis que apanho em Díli, e muitos carros que circulam, têm os vidros partidos (em certas zonas da cidade atiram-se pedras aos carros que passam). Há noite é muito difícil apanhar taxis em Dili. Os taxistas têm medo de trabalhar à noite (dito por um taxista).
Em Dili as ruas não têm iluminação nocturna. Durante a noite, a caminho do Hotel Timor para um café, cruzo com um grupo de soldados australianos que patrulham as ruas em formação (duas filas, uma de cada lado da estrada). De arma em riste claro.
Em tempos de eleições recebi uma mensagem da embaixada a aconselhar, por motivos de segurança, a não sair de casa nesse dia.
Nos últimos dias, quando estamos na praia, um ou dois helicópteros militares australianos passam, em voo baixo, mesmo em frente à praia (de 30 em 30 minutos).
Há 4 meses, uma portuguesa levou com uma pedra na cabeça (levava o vidro aberto): 30 pontos, um período de recuperação em que "esteve muito mal" e o estado psicológico alterado até hoje.
Uma noite fomos beber um copo ao AAJ (um dos poucos bares da cidade gerido por um australiano). Chegamos ao bar que estava absolutamente vazio e, encostados ao bar, pedimos umas cervejas. Entre palavras de conversa vejo uma pedra (10-15cms) entrar pela janela aberta ao fundo do bar e deslizar pelo soalho da pista (que estava completamente vazia). Se, por acaso, estivéssemos nas mesas ao fundo...
Estes são os meus factos sobre segurança em Dili.

Eu não tenho medo, e tu?

09 abril, 2007

Três parágrafos de metafísica OU o regresso com olhar difuso



Divagar é tão mais fácil do que descrever! Talvez seja a salvação deste blog. Aqui vai:
Cheguei a casa das férias na região Este de Timor. Se os dias em Dili são intensos, fora de Dili são ainda mais.
Não há tempo para descanso, não há estruturação racional que resista. Aqui, todos os passos são recheados de novidades, de informação, de cores novas, de sorrisos e paisagens.
Sentei-me no alpendre do bairro onde vivo em Dili e penso: "Isto é demais para mim". Uma frase de alguém pula da memória: "Alguns professores que estão cá há já algum tempo têm um brilho diferente nos olhos". É o brilho que eu quero nos meus olhos. Leva-me àquele par de páginas mágicas do Sidharta (Herman Hesse) em que o personagem atinge o Nirvana e ... "todas as imagens" se reflectem nos seus olhos, como a paisagem nas águas paradas da ribeira.
Viver cada instante desta realidade de forma sincera implica uma violência emotiva que me destrói. Ou melhor, que me desestrutura. É o caminho para o Nirvana. O Nirvana como desestruturação absoluta: a perda de identidade e a fusão com o meio.
Por outro lado, há um estrutura racional onde já não vejo sentido, e principalmente, fim. Parece já não haver energia para construir uma explicação do mundo dentro de mim. Seria "só mais um modelo do mundo" ... incompleto ou incorrecto.
Finalmente, há uma frase várias vezes repetida por aqui, é a de Witgenstein ou Heidegger que diz que "os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem". E, claro está, tudo isto é linguagem. Que sou se não as minhas palavras?
Quer a perspectiva racional quer a difusa (Nirvana) são só partes de mim, da minha linguagem, dos meus conceitos, dos meus estereótipos. Tudo bem longe da verdade/realidade.
Resta-me o espaço difuso entre o agnosticismo, que diz que "é impossível EU (ser humano) alcançar/explicar a verdade/realidade" e o agnosticismo extremo, que diz que a verdade/realidade é absolutamente inalcançável/inexplicável. Sendo que este agnosticismo extremo é quase idêntico a considerar que a verdade/realidade não existe.

O prazer que obtenho em absorver o mundo é tão grande que não vejo sentido em estruturá-lo ou analisá-lo ou explicá-lo. Só vejo sentido nesse prazer de absorção, de fusão com a realidade.

Aqui, em Timor, há um silêncio que me invade.


08 abril, 2007

A Leste no Paraíso

4 dias no extremo Leste de Timor Leste.
A visita a Jaco, a ilha a Este de Timor.
A visita a um orfanato onde se ouvia permanentemente cantar... música de Páscoa: PAZ!
Acho que este blog vai morrer muito rapidamente. Nem dentro de mim consigo sintetizar o que vivo, quanto mais pô-lo em palavras.