29 dezembro, 2007

Aqui me encontrarás... no papel, nas ideias ou no território

o escrever que vai continuar
Leio estes textos e encontro-me, noutro: não sou eu. Fica esta comunicação com o mim.
Entre o eu e o mim jaz um amigo. Entre mim e os textos estão os outros.
Falo aqui para mim e para ti porque nas palavras sonoras que me saem saem explicações desnecessárias.
No meu lápis me encontrarás. Mas a solidão mata-se na fraternidade, no calor do desnecessário.

desmistificando nietzsche
Idolatrar o iconoclasta é como desejar sexualmente a professora.
Sou um aluno da secundária a quem deram um tópico de doutoramento.
Ou para nietzsche, como ser criança se sou camelo pequeno e leão fraco?

O grande homem diz a zaratustra, com grande ressentimento, que não quer morrer.
Que digo eu/ninguém? O mesmo que o asceta ou niilista: que também não quero morrer.
A professora marca como trabalho para casa: na próxima aula vamos todos chegar com vontade de morrer.
Agora entendo porque a desejo. É o seu poder.
Está decidido, me quedo con ella, dioniso sin nietzsche.

o mapa não é o território
E nos domínios do palpável adiro à moda dos viajantes: locais onde dormi

12 dezembro, 2007

Vinho e Nietzsche, mas com Sol

Parece que o fogo posto, ou fátuo, acabou - na casa do Neruda a olhar o pacifico que é, em muitos sítios, tão igual ao atlântico. Oceanos, momentos, pessoas, ideias, sentidos e sentimentos... tudo se repete... fica o sabor das coisas, como no vinho. Viver é tragar vinho. Foram 3 meses de embriaguez. E no fim só aquele sabor entre a língua e o palato, entre o pensar e o sentir, entre o eu e os outros - entre as palavras e as coisas há um sabor aveludado. É aqui que me abandono...

Vendedores ambulantes há muitos e é simples a indiferença emocional do "no, gracias". Tinha a mão naquela posição em que os actores a põem para parecer deficientes e tremia. Ao passar vi o montão de rebuçados no colo. A mão tremia e alguns metros depois de passar, olhei para trás e vi o trabalho de precisão do por cada um dos rebuçados dentro de um saco fininho. Sigo caminho, mais uns metros, olho para trás, e ele satisfeito com o primeiro rebucado dentro do saco fininho a tremer. Invadiu-me um arrepio e vontade de chorar. E olho outra vez para trás, mas a emoção passou - rápido demais. E nesse instante entendo que aquilo me dá prazer. Olho para trás para ter prazer... olho para trás para ter prazer... para ter prazer... o altruismo nao existe? Pois nao? Outra vez?
Quem mais poderia encontrar neste meu egoísmo emocional - inconsciente que saltou - senão Nietzsche? Vim ä america do sul falar de Nietzsche com Foucault? O regeaton vem de alguma loja perto e ao olhar para o outro lado da rua vejo Nietzsche louco e o seu cavalo pintado - mas não está a chover! O sol raia e ele, em tronco trôpego nu, dança regeaton com uma mina mulata: paum! paum! paum! Do seu bigode gigante chega-me um sorriso paternal.

Já bem no fim do moleskine, viro a página e leio uma frase que escrevi há 3 meses na Venezuela:
"Quando um homem fala, fala também a sua ignorância que o condena ao fracasso (a ignorância vive nas palavras). Quando um homem ouve, é a ignorância dos outros que o invade."

Y asi me callo...

11 dezembro, 2007

Chavez, Neruda e uma pistola

Dois assassinos, o da direita a duas maos:

Ao ver esta capa de jornal (com o Chavez) lembro imediatamente a teoria da inexistencia de criatividade. Na biblioteca de babel ha milhoes de livros que falam de um tal de TUTANKABRON e de uma mumia bolivariana encontrada na venezuela, e de todas as variantes possiveis desta historia. A biblioteca de babel deve estar cheia de muito bom humor como este.

Em baixo: a casa do poeta, a estatua do poeta, tudo o que eu trago e nas minhas costas o sol e o mar.

10 dezembro, 2007

Samba em Preludio No. 17: Baden Powell vs Dotzaeur

Decidi comecar a tocar violoncelo ha 7 ou 8 anos quando ouvi a Sofia tocar o estudo 17 do Dotzaeur (um dos primeiros estudos para o vibrato). A melodia é...

Curiosamente, o Baden Powell conta que o Vinicius o acusou de plagio de Chopin no "Samba em Preludio": "Ah, nao eh plagio? Entao o chopin esqueceu de escrever essa".

Nao era Chopin, era Dotzaeur. Ou a memoria me engana muito ou as 4 primeiras notas (com ritmo muito semelhante) do samba em preludio e do estudo 17 de Dotzaeur sao iguais. Depois o estudo de dotzaeur tem umas duas ou tres notas a mais. Depois as musicas voltam a ser iguais por mais 3 ou 4 notas. Um pouco mais à frente as notas sao diferentes mas ainda se ouvem dois ou tres acordes iguais.

Independentemente da semelhanca, a magia esta nas duas...

Samba em Preludio:

Estatisticas Finais

Foram 88 dias de viagem em 10 paises.

Venezuela - 8 dias (Caracas, Puerto Colombia, Merida, Barinas)
Colombia - 9 dias (Cucuta, Bogota, Cali, Pasto)
Ecuador - 8 dias (Quito, Puerto Lopez, Montanitas, Guayaquil)
Peru - 16 dias (Mancora, Trujillo, Lima, Ica, Cuzco)
Bolivia - 8 dias (Copacabana, La Paz, Cochabamba, Santa Cruz)
Paraguay - 1 dia (Ciudad del Este)
Brasil - 16 dias (Iguazu, Sao Paulo, Rio de Janeiro, Floripa)
Uruguay - 4 dias (Punta del Este, Colonia del Sacramento)
Argentina - 7 dias (Buenos Aires, Mendoza, Uspallata)
Chile - 10 dias (Santiago, Pichilemu, Viña del Mar, Valparaiso, Isla Negra)

Foram umas 40 camas/pousadas e outros tantos autocarros.
Estive 350 horas dentro de um transporte: 4 horas de viagem por dia.

As despesas da viagem (em resumo) foram:
350e (voo de ida) + 720e (primeiro mes) + 855e (segundo mes) + 950e (terceiro mes) + 400e (voo de regresso) = 3275e

Personagens (listagem em massa)

A viagem esta a acabar e aproveito estes dias mortos antes do regresso para registar as coisas que sei que vao desaparecer da memoria (ou do interesse) mal aterre na lusitania...

Aqui fica uma lista de pessoas com quem falei nos ultimos 3 meses, digamos ... mais de meia hora:

Venezuela:
- manuel (ven)
- condutor do carro do tour (ven)
- mary (irelanda)
- ian (irelanda)
- chinesa que tambem ia no tour (china)
- chefe da aldeia que o tour visitou (ven)
- ajudante do chefe (ven)

Colombia:
- 2 vendedores de bilhetes em Cucuta (col)
- diego (brasil)
- luciano (argentina)
- 2 yiftachs (israel)
- o londrino (inglaterra)
- o ingles que vive na australia (inglaterra)
- a australiana (australia)
- o argentino de guia igual ao meu (argentina)
- o drogado (col)
- 2 colombianas de metro e meio (col)
- o japones de cali (japao)

Ecuador:
- adriana (ecu)
- roberto (ecu)
- o irmao da adriana (ecu)
- a mae da adriana (ecu)
- a empregada da mae da adriana (ecu)
- jacobo (espanha)
- professor de surf (ecu) - bananas assadas na areia!!!
- a quebecoise (canada)

Peru:
- 3 italianos (italia)
- o professor de fisica em paris (franca) - passei 3 dias com ele e ja nem me lembro como se chama!
- a alema (alemanha)
- o lucho (venezuela)
- o ricardo (venezuela)
- o julio andrade (peru)
- o professor de surf (peru)
- ruben cueva (peru)
- o guia das ruinas em trujillo (peru) - personagem bizarra
- barach (israel)
- claudia (peru)
- alex (peru)
- lissette (peru)
- lisa (alemanha)
- luis, avo da claudia (peru)
- pio, o basco (espanha)
- enrique (peru)
- esteban (col)
- sergio (col)
- tito guitarrista (peru)
- amiga do enrique (venezuela)
- monica (col)

Bolivia:
- 2 tugas do grupo de 5 (portugal!)
- dimitri (belgica)
- a alema tresloucada (alemanha)
- a israelita (israel)
- o australiano que ja fez africa do sul-egipto em bicicleta (australia)
- o vendedor de guitaras que toca charango (bol)
- o frances que joga cartas (franca)
- monsieur wailly (franca, ilha da reuniao)
- madame wailly (franca, ilha da reuniao)
- o alemao a quem dei uma aula de musica brasileira (alemanha)

paraguay:
- bruno (brasil)

brasil:
- o australiano louco que toca gipsy jazz (australia)
- 15 dos muitos familiares (helena, carlos, tia nena, mariana, carlao, caca, anibal, david, luciana, daniela, claudete, maria, arnaldo, jorge e rita)
- 2 brasileiras do hostel (brasil)
- o louco de jersey no hostel (inglaterra)

Este eh o ponto de excesso de carga... social. A partir daqui a interaccao baixou muito... ainda faltava um mes para o fim da viagem.

- jason (usa)
- alice (brasil)
- o professor de surf (brasil)

Uruguay:
- theo (franca)
- rogerio (brasil)

Argentina:
- sol (arg)
- camila (arg)
- xavier (espanha)
- miguel (chile)
- jesus (arg)

Chile:
- inda (inglaterra)
- marcelo e as suas duas amigas (chile)
- 2 holandeses (holanda)
- a dona da loja de surf (chile)
- a basca (franca)
- o jornalista de valparaiso (chile)

Sao quase 100 personagens. Todos eles tem uma historia, umas mais interessantes, outras menos, algumas ja contei, outras ja nem me lembro... e ha tambem os personagens que ja esqueci.

Devia ter feito um blog da viagem na asia... lembrei-me agora de um americano todo hippie que vivia na guatemala e que viajava pela tailandia. Jantamos juntos em Bangkok... o personagem estava numa cadeira de rodas... sozinho.

Sotôr

Se viajar, nao geograficamente, fosse tao facil como comprar bilhetes!
Para quë a literatura se temos a vida real?
Um blog da familia:
http://umascoisasimples.blogspot.com/

Lonely Planet, o guia turístico

Fazer esta viagem sem o Lonely Planet seria bem diferente. É um guia turistico fantástico mas, infelizmente, feito para gringos (americanos). Fica a critica que lhes mandei:

south america on a shoe string, 2007 english edition

These are my constructive comments about your guide:

-> ENGLISH - keep it simple!
Many people who travel with the english LP are non native speakers. I think you should keep your english simple by avoiding expressions and words that may be difficult for non native speakers. I learned the meaning of shabby and quirky with LP. Do you really need to use these words? :-)

-> SECURITY - don't be such a chicken!
I read "There are potential dangers to travel in SA...". I would say "there are potential dangers in being alive" :-)
I think it's all about attitude. And LP attitude is an "being afraid and cautious" attitude... relax, south america is not dangerous.

-> DRUGS
You don't recommend hitchhiking but you do not discourage the use of drugs. Well, I think you should, specially in SA where so many young gringos are doing drugs... its not the gringo trail anymore, its the cocaine trail. I've seen too many junkies travelling with LP. Is this what LP wants as its image?

-> PRICES
well, its impossible to keep updated here but you are 20% under the prices pretty much everywhere except in chile and Brazilian bus, where you are 40% under the correct price.

-> DRINKING - don't be such a gringo
While you always put a good number of (local) restaurants in town, LP ALWAYS puts the gringo places for drinking. I think you should stop listing Irish pubs in south America, that's ridiculous for a "independent travellers guide". You should list the places the locals are going to.
Moreover, I think you should avoid all those posh places I have seen listed in LP (I know you have to adapt to the readers) and GO UNDERGROUND!!!

-> ADVENTUROUS ATTITUDE
I think travelling in SA is easy and safe. So, I find a bit weird when I see the LP writer trying to convince the reader he is an adventurer. You could be more sober on this. My parents could travel in SA with no problem...

Hope this helps,
Luis

09 dezembro, 2007

Pichilemu, Chile

Macacos de Imitação

Hoje falo-vos de como o Dawkins se inspirou no Foucault e este nos estruturalistas. De criatividade e de globalização. De macacos de imitação.

Dawkins
Há já uns anos que entrei neste beco filosófico sem saída. Em Franca no meu cubículo de 18m2 de Antibes. Dawkins e o seu gene egoísta foram o pórtico. Os genes copiam-se e os "memes" também. Dawkins apresenta no seu livro "O Gene Egoísta" a sua ideia de que os genes são entidades que nos usam a nos, seres humanos, para sobreviver. Ha uma troca de entidades. O ser humano deixa de ser a entidade central e passa a ser uma entidade auxiliar de uma teoria que é centrada nos genes. Nós somos maquinas de copia e transmissão de genes, que nos usam, como maquinas, para sobreviver.
Dawkins aplica esta teoria a outro contexto: as ideias. Define os memes como unidades de cultura, em vez de unidades genéticas (como os genes). Os memes são ideias que são transmitidas, tal como os genes. Sendo que as ideias são, novamente, as entidades centrais da teoria. Nos somos maquinas de copia e transmissão de ideias.

Foucault
Foucault, inspirado pelos estruturalistas, já tinha dito o mesmo que Dawkins.
Na filosofia a questão começou com os linguistas. Os estruturalistas falam de um sistema que fala por nos. Nos somos maquinas de repetição que fazem o sistema seguir, tal como os mecanismos genéticos. Os estruturalistas esquecem o individuo e falam de uma cultura que vive por si. Entidade mais importante que o individuo.
Neste caso, são as ideias que são transmitidas: unidades de discurso e cultura. Aprendemos os discursos do sistema através da educação (numa perspectiva abrangente do termo) e limitamo-nos a misturar e repetir tudo o que aprendemos/absorvemos.
Foucault, mais linguista que os próprios estruturalistas, esquece o sistema e fala apenas de indivíduos e discursos. Discursos aprendidos e repetidos por indivíduos que transmitem elementos de cultura.

Dawkins vs Foucault
O que Dawkins faz no seu gene egoísta é copiar a ideia de Foucault e apresentá-la de uma forma mais simples e, quanto a mim, menos interessante.
Dawkins ignora a palavra discurso, que Foucault tanto gosta, e fala de ideias. Já aqui esquecendo toda a complexidade da linguística, que, quanto a Foucault, é onde jaz toda a mecânica da transmissão.
Dawkins fala de memes como unidades discretas de cultura. Foucault fala de discursos, linguista e de emaranhados inqualificaveis de unidades (sequências, series, contínuos) de cultura.

Os mecanismos da imitação
Dawkins diz que os memes que são passados tem de ser como os genes, aptos. Os mais aptos passam. Foucault fala dos mecanismos de controlo do discurso e divide-os em vários tipos. Foucault fala, por exemplo, de tabus, rituais associados ao discurso, conceito de loucura, etc.

Criatividade
Neste contexto podemos usar a analogia de Dawkins (genes/memes) para falar de criatividade. Um ser humano é tão capaz de criatividade (em termos de memes/ideias) como a natureza (em termos de genes/fenotipos).
Aqui vamos progredindo nas possibilidades infinitas do discurso (viajando na biblioteca de babel). A criatividade não existe. A criação é a chegada a novos espaços possíveis de discurso, a pontos não utilizados (desconhecidos) da biblioteca de babel. Sempre sob a permissao dos mecanismos de controlo do discurso de que Foucault fala.

Volatilidade de Significado
Por outro lado, é necessário ter em conta que um mesmo texto, pode ter significados diferentes em contextos diferentes. Voltamos a Borges e ao seu Quixote de Menard. Este ponto é interessante mas não fundamental para a questão.

Macacos de Imitação!
A síntese: tudo é copiado e nós somos máquinas de cópia. Desde que aprendemos a falar até quando aprendemos uma profissão. Passando pelos sonhos e projectos de vida, por aquilo que fazemos no dia a dia, pelas frases que dizemos. As frases que dizemos. "As frases que dizemos". "As frases que dizemos" é uma frase repetida, que EU repito. Tudo o que digo, aqui e não só, é só uma repetição misturada de coisas que de alguma forma absorvi.

Ou Contadores de Anedotas
Por outras palavras (numa perspectiva mais Dawkinzesca), o conhecimento é como uma anedota, e nós os respectivos contadores. Se for boa é memorizada e repetida, senão, é esquecida. Nesta analogia, nós vivemos em emaranhados de anedotas. Os processos de selecção destas anedotas são complexos linguisticos e psicológicos.

Globalização
Um aspecto prático deste assunto é a globalização. A partir do momento em que existem meios de comunicação capazes de fazer passar discursos/culturas a nível mundial, os mecanismos de cópia, transmissão e selecção começam! Os discursos/culturas mais aptos sobrevivem, os outros extinguem-se! A competicao da seleccao natural dos memes agora é a nível mundial...
Seria agora o lugar para uma análise da cultura global que nos invade e a sua componente norte-americana... ou para vos falar da cultura da Bolivia como um animal que de repente tem de competir pela sobrevivencia com outro animal muito mais apto (dadas as condicoes globais) e acaba a beber coca-cola em vez de mascar coca, isto eh, extingue-se...

Ética
Como reagir a isto... no próximo episódio falo de defesa das nossas ideias, isto é, da utilização da crítica na defesa da máquina de transmissão de ideias que somos.

04 dezembro, 2007

Bife e Vinho em Santiago do Chile

Sozinho no restaurante Vacas Gordas, comi um bife de 5cm de altura bem sangrento com meia garrafa de tintol. Um deleite!

03 dezembro, 2007

Intriga Medocina (argentina)

Nao sei se vao querer ler o longo texto mas eu nao vou querer esquecer esta historia! Mesmo que a prosa nao faça jus ao sucedido (ainda por cima sem corrector ortográfico).

Do cinema argentino só conheço o filme Nueve Reinas que é uma história sobre vigaristas que vigarizam vigaristas.

Depois de 15 horas de autocarro (8 das quais a dormir), chego a Mendoza (no lado centro argentino dos Andes) às 10 da manha.
Hoje é o dia 75 da viagem. Na pousada para gringos nao há camas para mim, estao cheios porque é... sexta, penso eu... sábado, diz o calendário. Os dias da semana e da viagem desaparecem. Há 50 noites atrás dormi numa pousada: isto foi há 25 pousadas atrás, talvez na Colombia ou Ecuador. As noites mal passadas dificultam a digestao da experiencia.

O aclamado vinho tinto de Mendoza nao me chegou às veias. Como a pousada estava cheia, lá fui caminhando pelas cashes da cidadezeca vinicola ate ver a hospedage sao paulo. Entrei e vi, na pousada de mau aspecto, a senhora que bem queria acordar os companheiros de quadro mas eu resolvi ficar sem os ver... tomei um banho, pousei as coisas e fui passear.

Cheguei à pousada e ali estavam dois jovens rapazes de aparencia sul-americana (pela roupa), um de cerveja ao lado, o outro de coca-cola.
Que tal? e tal... e assim comecamos a falar de futebol, claro! O Jesus, argentino era futebolista profissional, na primeira divisao da argentina; o Miguel, chileno, finalista de informatica (no olvidaré el doble más). Gostas de futebol? Si, claro! Às vezes até simulo que percebo de futebol para dar animo às conversas! Claro que acabo sempre a falar das vedetas de há 10 anos atrás, dos meus tempos de seguidor. Entre o Cristiano Ronaldo e o Messi, a conversa la ia fluindo. Um senhor dos seus 40 anos, mas menos de aparencia, entra pela area comum da pousada adentro a falar um espanhol um pouco diferente, das Asturias. Passado algum tempo, e várias saidas e entradas do terreno de conversa, chegamos à política e claro, a Chavez. Em bom espanhol das Asturias, o Xavier lá expos a suas ideias anti chavistas, tao difundidas na Europa, e eu la expus as minhas (entretanto hoje ouvi que o Chavez perdeu o referendo por 0,7%, que é para calar os que dizem que nao ha democracia na Venezuela).

A tarde alongou-se por multiplos topicos interessantes, nao pelo seu conteudo mas por estes 3 especimes que aos poucos iam mostrando a sua raridade.
O Miguel continuava a sua frenetica maratona de cerveja e já fala muito mais do que o que ouve: "O Riquelme! Ahhh, o Riquelme!".
O Jesus continua o seu discurso futebolistico enquanto aprumava o seu gel na cabeca e revia a sua roupa de ganga: "porque yo soy el 8 e juego con los dos pies" (e ao dizer isto bate, com vigor, duas vezes com as maos nas coxas).
O Xavier é um tipo calmo, simpatico, muito diplomatico, em grande forma fisica. Fala lentamente para que eu o entenda (o castelhano do Miguel chileno é mais dificil de entender que o dos espanhois). A certo ponto o Xavier levanta-se e pergunta-nos: "tenho de arranjar as unhas, os senhores importam-se que eu o faca aqui?". Ele foi e voltou e so voltei a lembrar o tema quando o vi a arranjar as unhas de lima na mao... uma visao peculiar (mais tarde apercebi-me que daria uma excelente drag-queen).

No final ficou combinado que iamos sair os 4, nessa noite, sábado. O Xavier ia a um concerto de música clássica. O Jesus conta que foi roubado no terminal de autocarros e também que tinha encontrado na noite anterior umas amigas com as quais também queria sair esta noite.

Entretanto ficamos todos prontos para sair quando o Xavier chegou do concerto. O Jesus explica que está sem dinheiro e começa a explicar-me e a pedir implicitamente dinheiro emprestado. Eu digo que lhe posso pagar a noitada mas que depois seria muito dificil ele reembolsar-me. O Miguel diz que pode emprestar-lhe (depois da-lhe a sua morada no chile), mas que nao sabe se o cartao de credito novo irá funcionar. O Jesus começa entao um discurso bastante estranho: "vens ao país dos outros e ajudas, depois eu vou ao teu país e ajudo-te". Cheirava a vigarice. E falava-me do seu manager (gestor de carreira futebolistica) mexicano que tinha muito dinheiro e que me podia pagar. Ele tinha dito que vinha de um bairro pobre. Ele tem 20 anos.

As amigas passam na pousada a buscá-lo à meia-noite, sao 10 da noite.
Estavamos na area comum e o Jesus chama o Miguel ao quarto para conversar. Depois entro eu: "onde vamos sair?". Depois chamam o Xavier. O Miguel está sentado tranquilamente na sua cama, já bem alcoolizado, e portanto tranquilo. O Xavier e o Jesus olham um para o outro com cara de caso. "Explico-lhes?" Alguns segundos de hesitaçao em que tudo me passava pela cabeça dadas as caras de caso do Jesus e Xavier. E eis que o Jesus diz: "queremos ir a um boliche (discoteca) alternativo, pode ser?". "Alternatico???". "Sim, com lesbianas, drag-queens... um pouco de tudo". O Jesus metia os pés pelas maos. O Xavier tranquilo explica: "Eu sou gay. E quero ir a uma discoteca gay". O Jesus sempre muito atrapalhado e muito pouco à vontade. O Xavier sai do quarto e o Jesus: "Vou com ele para lhe fazer companhia, voces tambem vêm?". Eu encolhi os ombros e disse que nao era problema nenhum o facto de o Xavier ser gay, mas que nao me ia meter num boliche gay simplesmente porque nao é o meu tipo. Assim decidimos que eu e o Miguel iamos a uma discoteca heterosexual e os outros a uma homosexual. O Jesus ainda nao tinha dinheiro. Ele e o Xavier ficam sós no quarto. "Gracias!" "De nada". Sai o Jesus do quarto e afinal vai sair com as amigas e nós vamos com ele mas primeiro vamos nós levar o Xavier á discoteca gay. Nisto o Xavier desaparece. Eu e o Miguel saimos para ir com ele. Quando chegamos à rua, ele já nao estava. Tinha ido sozinho sem dizer nada. Voltamos a pousada e comunicamos ao Jesus o desaparecimento do Xavier. Ele contesta com um "ahhh, que bueno!".

Lembro-me de na conversa sobre o facto de o Xavier ser gay o Jesus ter falado dos casos em que um homem diz a outro que é gay, e este é tao homofobico que o espanca. Enfim, o Jesus está tao pouco à vontade com a situaçao que acaba tendo um comportamento ou ridiculo ou inaceitavel. E ainda nao tinha dinheiro.

Os 3 na pousada ainda vamos sair. O Jesus afinal nao tem só duas amigas mas 5 que o vem buscar de carro e portanto, nós nao cabemos no carro. Vamos lá ter. "Podes-me emprestar dinheiro entao?" diz-me o Jesus. "20 pesos?" "Ah, da-me os 100 pesos que trocamos ali". Eu fico com 70 pesos, ele com 50 (sao 12EUR). E assim combinamos que nos encontravamos na discoteca Picasso com o Jesus.

Lá fui eu e o Miguel beber uma cerveja ao centro e depois de taxi até à Picasso. Entretanto passamos num banco e o Miguel Troncoso confirmou que o seu mastercard nao funciona. Muito simpatico este sujeito chileno. Mas com um discurso de alcoólico. Falava de pequenos almocos de cerveja com pao. De beber cerveja das 10 da manha até à noite. Falava da noite anterior em que tinha tomado uma garrafa de pisco sozinho e nem sequer saiu da pousada.

A disco Picasso era simpatica. O Miguel nao gostou tanto. Aqui nao se podia convidar as minas para bailar. O Miguel convidou duas ou três ao que sempre lhe respondiam com uma cara feia e um virar de costas. Tocava cumbia e la estive eu a dancar sozinho. Ele nao se mexia e só se queixava da antipatia das meninas, nao entendia que aqui o jogo era outro. Um verdadeiro choque de culturas: "as mulheres argentinas tem de evoluir!".

Nada de Jesus que la foi divertir-se com as amigas e os meus 50 pesos. Voltamos a pousada e só me lembro de o Miguel ficar chateado porque "nao temos cerveja na pousada!!!", isto às 5 da manha depois de ter passado o dia a beber. Eu sentei-me na minha cama. A minha mochila tinha a cinta da minha bolsinha de dinheiro um pouco saída por entre o espaco que o cadeado deixa ver para dentro da mochila. Abri a mochila, abri a bolsinha, tudo estava lá menos os 100 pesos que la tinha deixado. Quem os levou?

Na manha seguinte acordei cedo com o Jesus a dormir vestido na sua cama.
Tomei um banho, fiz a mala e apanhei um taxi para o terminal de autocarros. Uspallata esperava-me e a aventura já ia longa demais.

Poderia ter-lhe dado uma licao de moral ou um enxerto de porrada ou somente sacar-lhe os 100 pesos ou chamar a polícia. Ao meu estilo, retirei-me.
Fica em mim uma digestao dificil do roubo. Passou tudo em poucas horas com uma aldeia linda no meio da montanha: Uspallata (a aldeia onde foi filmado o 7 anos no tibete do Brad Pit). Nessa noite dormi do por do sol às 8 (com montanhas tibetanas bem perto) até depois do nascer do sol às 8 da manha.