28 março, 2008

Pela marginal fora...

E acabou mesmo. No fim fica uma paz bem profunda que a ocidentalidade vem ofuscar mas não alterar.

Ficam as emoções de Timor, que mexeram comigo como nada mais, fica a independência que encontrei na América do sul e a beleza da índia que se espalha por mim em paz.
E há o resto que havia para pensar e sentir.

Hoje é o primeiro dia do resto... os mesmos espaços, o mesmo mundo, eu feito diferente pelos quilómetros, um sorriso na cara, e muitos muitos momentos mágicos na memória. Que há de melhor?

E há no meu quarto um tapete indiano tão lindo que comove, que lembra que transmitir aquilo que vi, senti e aprendi este ano não vai em palavras. VIAJJJJEM!!! (é o imperativo porque viajar é IMPERATIVO)


Em Timor, às 4 da manhã, com o Tolito (a música em cima) a soar pelo pacífico fora, à porta da única discoteca do país (Exótica), as professoras fazem a famosa coreografia do Tolito e o bêbado do jeep leva-nos por aquela marginal fora em acelerações de caixa aberta. E o sol estava a nascer, não?

Até qualquer dia...

27 março, 2008

...

Afinal há um momento final melhor. Em Cuzco, no Peru, numa casa decrepita, num quarto de 8 metros quadrados sem cama, só um colchão e pinturas à volta, um círculo onde as garrafas grandes de cerveja rodavam entre todos: eu, dois Colombianos, dois Peruanos, e uma Venezuelana. Havia uma guitarra que passava das minhas músicas clássicas e brasileiras para as mãos e voz impressionante do Tito. Pela noite dentro, houve muita música latina. Lembro-me de os 5 me cantarem esta:

Ojalá que las hojas no te toquen el cuerpo cuando caigan, para que no las puedas convertir en cristal.
Ojalá que la lluvia deje de ser milagro que baja por tu cuerpo, ojalá que la luna pueda salir sin tí, ojala que la tierra no te bese los pasos.


E que bem que é um socialista convicto a cantar. É que a grande lição política desta viagem é simples: nós somos ricos porque somos filhos de ladrões. O "ocidente" é rico porque passou séculos a roubar o "oriente". Isto vale para a América do Sul, Africa ou India.

El Che

E há aquele gajo que no barco entre o Uruguay e Buenos Aires me rouba a guitarra e passados uns segundos estava o barco todo a cantar esta:



Hasta siempre...

16 março, 2008

Aguas irreais: do ganges ao inferno


Um japonês que não sabe remar e de um humor completamente... asiático, um indiano de 15 anos que já aluga barcos e só diz disparates e as cores artificiais dos ghats irreais de Varanasi, põem-me fora da foto, num plano anterior, a olhar para outra irrealidade qualquer.

E há o Orfeu que com a sua voz encantou o barqueiro que lhe fechava as portas do inferno. E há as lendas de Varanasi, de irrealidades diferentes, e as Euridices de outras belezas. Ah, se eu pudesse ouvi-las!

E há igrejas abandonadas com tecto de madeira (esta e' em Goa):

09 março, 2008

Varanasi fotos































Sitar, o meu primeiro Raga




07 março, 2008

Um ano de viagem e o fim a' vista

Faz esta semana um ano que começou a viagem. A maratona de Barcelona 2008 foi no Domingo passado. A minhas 4:15 horas em Barcelona foram há exactamente um ano (o post)

Para trás ficam mais de 7 meses de viagem, mais de 200 noites fora de casa, mais de 100 camas certamente.

Fica muita aventura, muita gente nova, muitos sorrisos e sois. Muitas línguas, muitos carimbos no passaporte. Muito calor, muito frio. Muita festa, muita solidão.
E TANTO MAIS... incluindo o que não vem nem vai nas palavras.

No fim de tudo leio cansaço e muita instabilidade. Uma necessidade de parar. No fundo e' um final muito feliz para esta viagem: as saudades de uma rotina, de uma vida estável. Sempre com a ideia de voltar mais tarde!

Infelizmente de momento não tenho grande vontade de blogar o que vejo... infelizmente. Apesar da exposição desconfortável a que me sujeitam, os relatos do blog valem muito para mim e serviram para comunicar claramente com muita gente que de outra forma nao o faria.

Segunda feira voo para Mumbay e depois Goa, onde vou passar uma semana como comemoracao do final da viagem.
A viagem acabou hoje porque comecei a procurar emprego. Primeiro aqui na India, depois em casa, na Europa.
Depois de Goa, vou passar uma ou duas semanas em Mumbay em busca de emprego. Se não encontrar nada de profissionalmente atractivo volto para a Europa. Londres e' neste momento o destino mais provável.

01 março, 2008

Impressiona-me

Impressiona-me a Sagrada Família em Barcelona, sempre.
Impressiona-me a Costa Amalfitana com vista para o Vesu'vio e principalmente Pompei.
Impressiona-me o Partenon em Atenas e no British Museum em Londres.
Impressiona-me o Rio de Janeiro.
Impressiona-me um deserto do Peru.
Impressionam-me as montanhas na Suica ou Argentina.
Impressionam-me as Chinesas giras de Singapura.
Impressiona-me o mercado dos ladroes em Bangkok.
Impressiona-me o sorriso de Timor.
Ah, e um copo rabelo a reflectir o Douro.

Mas Varanasi impressiona-me muito mais.

29 fevereiro, 2008

Banaras, Benares, Varanasi Magico


Varanasi e' a cidade mais antiga do mundo. Mais antiga que Troia, mais antiga que a Babilonia...

No ghat ardente, escadaria que da para o Ganges (Ganga), ardem corpos e passam os intocaveis (casta que nem sequer e' casta) que explicam o que esta a acontecer por umas rupias. Ha as familias em volta da fogueira a dizer/cantar rezas que nao entendem. No meio da fogueira uma cabeca, e do outro lado, uns pes que mexem ao ritmo da fogueira. A musica ecoava numa escadaria ao lado. E homens velhos, de barbas longas e vestidos de laranja, jantam de uma panela na fogueira, tudo com o ganges por tras.
Em cada esquina das ruelas com um metro e meio de largura um mini templo Hindu.
Isto e' real? Perguntei eu ao ver a miuda a vender flores e o velho sabio por tras a fazer uma reza. No fundo sempre o Ganges e como cai o dia, uma luminosidade produzida por uma bruma que nao deixa ver longe... que torna tudo idilico.
Isto e' tudo verdadeiramente magico.
No cafe onde almocei havia uma francesa com um livro de um psiquiatra que falava de porque e' que os ocidentais ficam loucos na India. Estou aqui ha' dois dias e ja parece uma semana. O sentimento de "eu estou mesmo aqui nesta cena?" repete-se a cada esquina. Realmente incrivel, inacreditavel...

Um sitio que me faz pensar: "tenho 28 anos e so agora e' que vi isto".
Imaginem alguem que nunca tivesse ouvido falar de matematica e se lhe mostrasse, a matematica, aos 28 anos.
Imaginem que nao sao capazes de imaginar. Imaginem que tem de comprar um bilhete de aviao. URGENTE! E' urgente vir a Benares.

Ontem houve musica ao vivo e hoje aulas de yoga e citara.

E ha a grandeza dos filmes do Pasolini e do Paradjanov. So eles lograram mostrar-me a beleza do que vejo aqui em Benares... verdadeiro exotismo.

28 fevereiro, 2008

Incredible India 2 (uma foto)

Adoro esta foto!

27 fevereiro, 2008

De Timor a' India: o mundo entre os dedos

Um dia decidi sair do bairro dos professores sozinho e nao apanhar taxi. Decidi ir ver cada cara e casa dessa cidade, sem complexos, sem medo.
Acabei encharcado de chuva e debaixo de uma palhota com dois velhos que esperavam o tempo passar com vista para o mar. Ainda me lembro de sentir as gotas nas pocas e nas varitas da cabana.
Timor nao esta nos restaurantes, professores ou embaixadores. Timor esta em cada maozada de terra que nos leva a essa gente de sorrisos.
Nesse dia enchi a mao dessa terra e senti-a entre os dedos.
Hoje vou fazer o mesmo aqui em Varanasi, no norte da India.












25 fevereiro, 2008

a chorar pelos quatro cantos do mundo

"esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena"

23 fevereiro, 2008

Isto e' o passado!


Imaginem que já nao sou indiano... sobre a realidade e' a única coisa que vos sei dizer hoje: imaginem...

Ontem, deste lado do mundo, vi umas fotos antigas de gentes simples. Depois, deste lado do mundo, andei a passear pelo sitio onde essas gentes viveram. Depois, deste lado do mundo, pensei a andar: "Isto e' o passado! Isto e' o passado! Eu estou no passado! A vida e' um passeio pelo passado! Tudo e' passado!".
A vida e uma fotografia a preto e branco.

E, dos dois lados do mundo, quando os dias são muito tristes, o melhor e' planear. Brincar ao futuro, ao faz de conta. Sem sair do passado.

11 fevereiro, 2008

Ai timor...

O lider dos maus (e o heroi das criancas), Reinado, apanha o lider dos bons (e o heroi dos aussies), Ramos, a fazer jogging...

Segundo me lembro, a casa do Ramos eh bem perto da Dona Fina, isto eh, a cena deve ter sido ali na praia para onde as gentes vao. Mas foi la para as 7 da manha.

O Reinado morreu. Se o Ramos morre eh que eh bem pior... vamos todos cantar com os cinco do oriente.

Considero abismal a dificuldade de analise da situacao. Quem fez o queh e para queh? E isto em timor, pais pequeno e jovem. Para mim eh um excelente exemplo das enormes dificuldades da analise politica em geral.

Quem fez o que, para que e porque? E vale Bush, Chavez, Socrates, Soharto, Mandela, ate' o Ghandi (cujo museu fui ver ontem).

Eh impossivel saber. Entender a politica eh mais dificil que entender a propria natureza humana porque a primeira eh uma consequencia a muito longo prazo da segunda. O que me leva ao: se El Che tivesse lido Freud nao teria havido revolucao.

09 fevereiro, 2008

Incredible India 1 (fotos)









08 fevereiro, 2008

I'm in ... New Delhi

Ainda me lembro do primeiro mail que mandei de Timor a dizer "I'm in". Ali tinha mesmo a sensacao de entrar num mundo ah parte. A sensacao repete-se em Delhi... I'm in!

As primeiras 24 horas de New Delhi dizem-me que esta cidade eh uma mistura entre Dili e Bangkok mas, conforme previsto, com cheiro a caril :-)
Uma maravilha absolutamente inexplicavel.

Tenho de arranjar uma maquina fotografica de qualidade... aqui qualquer um eh um grande fotografo. Tiradas em 30 minutos de passeio:














05 fevereiro, 2008

Gute Nacht

Amanhã há aviões e até breves. Por isso, boa noite:



Thomas Quasthoff canta o Gute Nacht do Winterreise de Schubert.

17 janeiro, 2008

Índia. Religião, Filosofia e Sociedade. Um prelúdio...

Dia 7 de Fevereiro o avião aterra em Nova Delhi, New Delhi... I should start posting in English (with indian accent).
Para que é que vou, onde vou, quanto tempo, o que vou fazer, como vou fazer... são perguntas sem respostas, que nem sequer é necessário aparecerem durante a viagem.
Deixo a obsessão das respostas. do sentido, da razão, de deus para vocês... deste lado do ecrã vive-se sem isso.



Religião: os 1000 deuses
No hinduísmo existem milhares e milhares de deuses. Há deuses para tudo... e para nada. Um resumo de uma horita de deambulação internáutica. É uma história gigantesca que começa mais ou menos assim...

Brahman é o espírito cósmico supremo que é incognoscível pelo homem. Brahman é o princípio divino não personalizado e neutro.
Os três principais deuses do hinduismo (a trindade Hindu) são considerados aspectos de Brahman: Brahma (o Criador), Vishnu (o Preservador) e Shiva(o Destruidor).
As suas esposas são respectivamente:
- Brahma tem Saraswati (deusa do conhecimento, das artes e dos rios)
- Vishnu tem Lakshmi (deusa da riqueza, fortuna, amor e beleza)
- Shiva tem Sati e depois Durga/Parvati (mãe de Ganesha, o famoso cara de elefante)
Dependendo do ramo do hinduísmo que seguimos, cada um destes deuses é mais ou menos adorado. Todos têm várias encarnações (avatars) e também vários nomes...

Filosofia: as 4 qualidades
Na filosofia aparecem no topo os Purusharthas que são as quatro qualidades ou os quatros objectivos da vida humana: Kama (prazer sensual ou amor), Artha (poder ou riqueza), Dharma (moralidade ou justiça) e Moksha (liberdade ou libertação do ciclo de encarnação).

Sociedade: as 5 castas
Na sociedade aparecem no topo as castas descritas nas escrituras hindu: Brahman (padres e professores), Kshatriya (guerreiros e politicos), Vaishya (comerciantes e artesãos), Sudra (operários) e Dalit (os intocáveis, os que não são ninguém).

Novo no blog: fotos do melhor do sudeste asiático.

Às voltas com Foucault

Quando escrevi o último texto lia o "Nietzsche" do Deleuze e tinha por perto os livros do Nietzsche para consulta. A desmistificação foi o exorcismo de Nietzsche: fechei os livros todos e guardei-os a um canto.

Com Foucault a história é diferente. Depois da "História da Loucura" vieram "As Palavras e as Coisas". Se no primeiro a prosa sempre difícil de Foucault (quase tão difícil como os aforismos de Nietzsche) foi vencida, no segundo veio muita frustração mas ficou, vejo agora, a semente.
Num alfarrabista (que devia ter fotografado) de Vina del Mar, no Chile, comprei três livrinhos de Foucault de nem 100 páginas cada: três das (famosas) conferências (ou aulas) que ele deu no Collége de France.
Apesar de serem em castelhano, estes livros para mim foram, já em Portugal, a chave para Foucault.

Na "História da Loucura" e depois na "Ordem do Discurso", Foucault diz que a loucura e a perversão não existem senão por serem uma oposição da "sanidade mental estabelecida" ou da "boa moralidade". Por outro lado diz que esses (e outros) espaços de marginalidade no limite do normal, só existem como negação do esquema de normalidade.
Se por um lado Foucault fala de mecanismos de controlo do discurso (ver texto "Macacos de Imitação") sobre os quais estes esquemas de normalidade sobrevivem, por outro, fala-nos das instituições que vigiam e fazem vigorar as suas fronteiras, nomeadamente as instituições de segurança pública e as instituições psiquiátricas, pondo os polícias e os psiquiatras no mesmo grupo. Estas fronteiras, constituídas pelos fenómenos de marginalidade, são _criadas_ pelo próprio esquema de normalidade. Por outras palavras, um louco ou um assassino só o é porque alguém o julga assim.

Eu _acredito_ mesmo nisto! Julgo a normalidade uma perversão e encaro fenómenos como a depressão, o alcoolismo, a delinquência, a droga, a prostituição, a ?guerra?, a psicose, a homossexualidade (o Foucault era gay), etc, etc, etc, como consequências naturais (ou partes integrantes) do esquema social em que vivemos e NUNCA como perversões a um sistema saudável. O moralista é SEMPRE tão perverso como o moralizado. A perversão faz parte do sistema, a perversão é o sistema, o sistema é perverso.

Nietzsche já nos tinha dito que o polícia é tão imoral como o pior dos assassinos.
Foucault acrescenta que o psicólogo/psiquiatra é tão louco como o pior dos esquizofrénicos (Foucault é formado em psicologia).

(a ver: o filme "Tropa de Elite" (Brasil) sobre polícias loucos e o indescritível "Os Mestres Loucos" de Jean Rouch com loucos tão saudáveis)