na sala da casa dela não há nada. só uma mesa transparente com vista para paredes brancas; e ao longo dos rodapés, em espaços, por interstícios!!!!, espalham-se os livros. no meio uma colcha e uma almofada. deitado. e os livros do lado da cara são de direito. tenho sono. dobro o pescoço e não consigo ler. encostado à parede.
abro e releio e nestas páginas... um grande sorriso... tanta coisa que vivo, tanto tempo sem o abrir, tanta vida, tanta tentativa!!! e o livro do desassossego sempre la... como um grande amigo que não vi em anos.
os nós de palavras ideias e tudo que ele me dá...
um monumento na praça da vida. andar em volta do livro rocha fechado (o autocarro da tentativa passa de meia em meia hora), e abri-lo a espaços, por interstícios, para ver que já tudo está la escrito.
em cada frase uma pérola, uma saudade... mas sempre naquele estilo de masturbador intelectual do pessoa, fingido... e brutal, sempre todo autenticidade.
alguns exemplos tirados ao folhear:
"da rua dos dourados até ao impossivel..."
"a vida é como se me batessem com ela.."
"querer ir morrer a pequim e nao poder é das coisas que pesam sobre mim como a ideia dum cataclismo vindouro"
um pessoa primo de sa carneiro: "á minha incapacidade de viver crismei de genio, á minnha cobardia cobri-a de lhe chamar requinte. Pus-me a mim, deus dourado com ouro falso, num altar de papelao pintado para parecer marmore. mas a mim nao enganei nem a consciencia do meu enganar-me"
e o grande paradigma pessoano resumido: "Em mim foi sempre menor a intensidade das sensacoes que a intensidade da consciencia delas. Sofri sempre mais com a consciencia de estar sofrendo que com o sofrimento de que tinha consciencia."
interstícios - "Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se." (numa carta a sa carneiro que, estranhamente, nao está nesta edicao brasileira do livro)
Nunca é demais recordar: http://luisramos.net/poetry/pessoa.php
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