Nao sei se vao querer ler o longo texto mas eu nao vou querer esquecer esta historia! Mesmo que a prosa nao faça jus ao sucedido (ainda por cima sem corrector ortográfico).
Do cinema argentino só conheço o filme Nueve Reinas que é uma história sobre vigaristas que vigarizam vigaristas.
Depois de 15 horas de autocarro (8 das quais a dormir), chego a Mendoza (no lado centro argentino dos Andes) às 10 da manha.
Hoje é o dia 75 da viagem. Na pousada para gringos nao há camas para mim, estao cheios porque é... sexta, penso eu... sábado, diz o calendário. Os dias da semana e da viagem desaparecem. Há 50 noites atrás dormi numa pousada: isto foi há 25 pousadas atrás, talvez na Colombia ou Ecuador. As noites mal passadas dificultam a digestao da experiencia.
O aclamado vinho tinto de Mendoza nao me chegou às veias. Como a pousada estava cheia, lá fui caminhando pelas cashes da cidadezeca vinicola ate ver a hospedage sao paulo. Entrei e vi, na pousada de mau aspecto, a senhora que bem queria acordar os companheiros de quadro mas eu resolvi ficar sem os ver... tomei um banho, pousei as coisas e fui passear.
Cheguei à pousada e ali estavam dois jovens rapazes de aparencia sul-americana (pela roupa), um de cerveja ao lado, o outro de coca-cola.
Que tal? e tal... e assim comecamos a falar de futebol, claro! O Jesus, argentino era futebolista profissional, na primeira divisao da argentina; o Miguel, chileno, finalista de informatica (no olvidaré el doble más). Gostas de futebol? Si, claro! Às vezes até simulo que percebo de futebol para dar animo às conversas! Claro que acabo sempre a falar das vedetas de há 10 anos atrás, dos meus tempos de seguidor. Entre o Cristiano Ronaldo e o Messi, a conversa la ia fluindo. Um senhor dos seus 40 anos, mas menos de aparencia, entra pela area comum da pousada adentro a falar um espanhol um pouco diferente, das Asturias. Passado algum tempo, e várias saidas e entradas do terreno de conversa, chegamos à política e claro, a Chavez. Em bom espanhol das Asturias, o Xavier lá expos a suas ideias anti chavistas, tao difundidas na Europa, e eu la expus as minhas (entretanto hoje ouvi que o Chavez perdeu o referendo por 0,7%, que é para calar os que dizem que nao ha democracia na Venezuela).
A tarde alongou-se por multiplos topicos interessantes, nao pelo seu conteudo mas por estes 3 especimes que aos poucos iam mostrando a sua raridade.
O Miguel continuava a sua frenetica maratona de cerveja e já fala muito mais do que o que ouve: "O Riquelme! Ahhh, o Riquelme!".
O Jesus continua o seu discurso futebolistico enquanto aprumava o seu gel na cabeca e revia a sua roupa de ganga: "porque yo soy el 8 e juego con los dos pies" (e ao dizer isto bate, com vigor, duas vezes com as maos nas coxas).
O Xavier é um tipo calmo, simpatico, muito diplomatico, em grande forma fisica. Fala lentamente para que eu o entenda (o castelhano do Miguel chileno é mais dificil de entender que o dos espanhois). A certo ponto o Xavier levanta-se e pergunta-nos: "tenho de arranjar as unhas, os senhores importam-se que eu o faca aqui?". Ele foi e voltou e so voltei a lembrar o tema quando o vi a arranjar as unhas de lima na mao... uma visao peculiar (mais tarde apercebi-me que daria uma excelente drag-queen).
No final ficou combinado que iamos sair os 4, nessa noite, sábado. O Xavier ia a um concerto de música clássica. O Jesus conta que foi roubado no terminal de autocarros e também que tinha encontrado na noite anterior umas amigas com as quais também queria sair esta noite.
Entretanto ficamos todos prontos para sair quando o Xavier chegou do concerto. O Jesus explica que está sem dinheiro e começa a explicar-me e a pedir implicitamente dinheiro emprestado. Eu digo que lhe posso pagar a noitada mas que depois seria muito dificil ele reembolsar-me. O Miguel diz que pode emprestar-lhe (depois da-lhe a sua morada no chile), mas que nao sabe se o cartao de credito novo irá funcionar. O Jesus começa entao um discurso bastante estranho: "vens ao país dos outros e ajudas, depois eu vou ao teu país e ajudo-te". Cheirava a vigarice. E falava-me do seu manager (gestor de carreira futebolistica) mexicano que tinha muito dinheiro e que me podia pagar. Ele tinha dito que vinha de um bairro pobre. Ele tem 20 anos.
As amigas passam na pousada a buscá-lo à meia-noite, sao 10 da noite.
Estavamos na area comum e o Jesus chama o Miguel ao quarto para conversar. Depois entro eu: "onde vamos sair?". Depois chamam o Xavier. O Miguel está sentado tranquilamente na sua cama, já bem alcoolizado, e portanto tranquilo. O Xavier e o Jesus olham um para o outro com cara de caso. "Explico-lhes?" Alguns segundos de hesitaçao em que tudo me passava pela cabeça dadas as caras de caso do Jesus e Xavier. E eis que o Jesus diz: "queremos ir a um boliche (discoteca) alternativo, pode ser?". "Alternatico???". "Sim, com lesbianas, drag-queens... um pouco de tudo". O Jesus metia os pés pelas maos. O Xavier tranquilo explica: "Eu sou gay. E quero ir a uma discoteca gay". O Jesus sempre muito atrapalhado e muito pouco à vontade. O Xavier sai do quarto e o Jesus: "Vou com ele para lhe fazer companhia, voces tambem vêm?". Eu encolhi os ombros e disse que nao era problema nenhum o facto de o Xavier ser gay, mas que nao me ia meter num boliche gay simplesmente porque nao é o meu tipo. Assim decidimos que eu e o Miguel iamos a uma discoteca heterosexual e os outros a uma homosexual. O Jesus ainda nao tinha dinheiro. Ele e o Xavier ficam sós no quarto. "Gracias!" "De nada". Sai o Jesus do quarto e afinal vai sair com as amigas e nós vamos com ele mas primeiro vamos nós levar o Xavier á discoteca gay. Nisto o Xavier desaparece. Eu e o Miguel saimos para ir com ele. Quando chegamos à rua, ele já nao estava. Tinha ido sozinho sem dizer nada. Voltamos a pousada e comunicamos ao Jesus o desaparecimento do Xavier. Ele contesta com um "ahhh, que bueno!".
Lembro-me de na conversa sobre o facto de o Xavier ser gay o Jesus ter falado dos casos em que um homem diz a outro que é gay, e este é tao homofobico que o espanca. Enfim, o Jesus está tao pouco à vontade com a situaçao que acaba tendo um comportamento ou ridiculo ou inaceitavel. E ainda nao tinha dinheiro.
Os 3 na pousada ainda vamos sair. O Jesus afinal nao tem só duas amigas mas 5 que o vem buscar de carro e portanto, nós nao cabemos no carro. Vamos lá ter. "Podes-me emprestar dinheiro entao?" diz-me o Jesus. "20 pesos?" "Ah, da-me os 100 pesos que trocamos ali". Eu fico com 70 pesos, ele com 50 (sao 12EUR). E assim combinamos que nos encontravamos na discoteca Picasso com o Jesus.
Lá fui eu e o Miguel beber uma cerveja ao centro e depois de taxi até à Picasso. Entretanto passamos num banco e o Miguel Troncoso confirmou que o seu mastercard nao funciona. Muito simpatico este sujeito chileno. Mas com um discurso de alcoólico. Falava de pequenos almocos de cerveja com pao. De beber cerveja das 10 da manha até à noite. Falava da noite anterior em que tinha tomado uma garrafa de pisco sozinho e nem sequer saiu da pousada.
A disco Picasso era simpatica. O Miguel nao gostou tanto. Aqui nao se podia convidar as minas para bailar. O Miguel convidou duas ou três ao que sempre lhe respondiam com uma cara feia e um virar de costas. Tocava cumbia e la estive eu a dancar sozinho. Ele nao se mexia e só se queixava da antipatia das meninas, nao entendia que aqui o jogo era outro. Um verdadeiro choque de culturas: "as mulheres argentinas tem de evoluir!".
Nada de Jesus que la foi divertir-se com as amigas e os meus 50 pesos. Voltamos a pousada e só me lembro de o Miguel ficar chateado porque "nao temos cerveja na pousada!!!", isto às 5 da manha depois de ter passado o dia a beber. Eu sentei-me na minha cama. A minha mochila tinha a cinta da minha bolsinha de dinheiro um pouco saída por entre o espaco que o cadeado deixa ver para dentro da mochila. Abri a mochila, abri a bolsinha, tudo estava lá menos os 100 pesos que la tinha deixado. Quem os levou?
Na manha seguinte acordei cedo com o Jesus a dormir vestido na sua cama.
Tomei um banho, fiz a mala e apanhei um taxi para o terminal de autocarros. Uspallata esperava-me e a aventura já ia longa demais.
Poderia ter-lhe dado uma licao de moral ou um enxerto de porrada ou somente sacar-lhe os 100 pesos ou chamar a polícia. Ao meu estilo, retirei-me.
Fica em mim uma digestao dificil do roubo. Passou tudo em poucas horas com uma aldeia linda no meio da montanha: Uspallata (a aldeia onde foi filmado o 7 anos no tibete do Brad Pit). Nessa noite dormi do por do sol às 8 (com montanhas tibetanas bem perto) até depois do nascer do sol às 8 da manha.
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2 comentários:
C'uns caralhos...ao menos é um bom script!
"Ao meu estilo, retirei-me."
Familiar e inesquecível.
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